sábado, 9 de fevereiro de 2008

Há 200 anos chegava a Família Real portuguesa ao Brasil - Parte I

Revista CATOLICISMO - Edição de Fevereiro/2008
Entrevista com o Príncipe Dom Luiz de Orleans e Bragança

Para marcar as comemorações do bicentenário da vinda da Família Real, que tantos benefícios trouxe a nosso País, nada mais adequado do que uma entrevista com o Chefe da Casa Imperial do Brasil, Príncipe Dom Luiz de Orleans e Bragança, descendente direto e continuador dinástico de D. João VI

Catolicismo - Qual a importância histórica e o significado mais profundo da vinda da Família Real portuguesa para o Brasil?
Dom Luiz - O Prof. Plinio Corrêa de Oliveira costumava dizer que parecia haver um plano da Divina Providência, no sentido de formar para o terceiro milênio uma grande nação católica, com influência determinante nos acontecimentos do mundo, e que essa nação seria o Brasil. Apesar das mazelas dos dias que correm, esse sentimento é compartilhado mais ou menos conscientemente pela maioria dos brasileiros. Por sua extensão territorial quase continental, por seus recursos naturais praticamente inesgotáveis, por seu povo inteligente, afetivo, bondoso e fundamentalmente católico, nossa Pátria poderá, após os acontecimentos punitivos e regeneradores previstos pela Santíssima Virgem em Fátima, ser um luzeiro para toda a nova Cristandade. Numa era marial como a prevista por numerosos Santos, entre os quais o grande apóstolo mariano, São Luís Grignion de Montfort. A Terra de Santa Cruz poderá ter, nessa época, um papel exemplar para as outras nações, como o da França na Cristandade de outrora. Vista nessa perspectiva, a vinda da Família Real portuguesa para suas terras americanas tem um significado providencial transcendente.

Catolicismo - Fala-se geralmente que o Príncipe Regente Dom João e a Família Real fugiram para o Brasil. Está correto isso? Ou a realidade histórica é diferente?
Dom Luiz - A consciência de que o Brasil, pelo seu tamanho e pelas suas riquezas, teria um papel de primeira plana no império português, existiu desde o século XVII. Isso se vê no fato de que, a partir da ascensão ao trono da dinastia de Bragança, em 1640, o herdeiro imediato da Coroa tinha o título de Príncipe do Brasil. Cogitou-se desde o fim do século XVII em transferir para a América a capital do império luso, a fim de afastá-la das turbulências européias e, ao mesmo tempo, pô-la num lugar a partir do qual fossem mais fáceis e rápidas as comunicações com a África e a Ásia. O Rio de Janeiro tornara-se escala obrigatória para os navios rumo ao Oriente, e as possessões africanas foram muitas vezes administradas, desde o século XVIII, por governadores gerais e vice-reis do Brasil.

Quando se apresentou para Portugal a ameaça de uma invasão napoleônica, o então Príncipe Regente Dom João viu que era o momento de concretizar o velho plano, para poupar à Dinastia a sorte de tantas outras Casas reinantes espoliadas pelo tirano corso. A fim de ter tempo para preparar a transferência, Dom João aparentou longa indecisão entre a aliança inglesa e a francesa. Era preciso armar e preparar toda uma esquadra, encaixotar todo o necessário para a vida da corte e o funcionamento do governo na novacapital. Móveis, baixelas, obras de arte, biblioteca, arquivos, tesouro nacional, mil coisas diversas. O Príncipe Regente conseguiu, com sua
aparente abulia, despistar magistralmente Napoleão. A ponto de este, em suas memórias redigidas no exílio de Santa Helena, se manifestar ressentido contra o "único soberano que o ludibriara".

Catolicismo - A vinda da Família Real portuguesa foi vantajosa para a unidade e a grandeza do Brasil?
Dom Luiz - Foi providencial!

Catolicismo - Em que áreas?
Dom Luiz - O principal efeito foi que a nossa emancipação, pela virtude da Monarquia, se deu sem o País se fracionar em várias repúblicas, ao contrário da Hispano-América. O Brasil permaneceu uno. Durante os primeiros 67 anos de independência, foi poupado de muitas das turbulências políticas que assolaram nossos vizinhos, com golpes de estado, revoluções, ditadores populistas, etc. Após a proclamação da República, infelizmente, enveredamos também por essas brenhas...

Catolicismo - Estaria correto ou é exagerado dizer que Dom João VI assentou as bases do império brasileiro?
Dom Luiz - É inteiramente exato! Segundo o historiador Oliveira Lima, o Príncipe Regente Dom João veio para o Brasil com o intuito de formar aqui um grande império. Mal chegou ao Brasil, aquele homem aparentemente abúlico e indeciso tomou uma série de medidas fundamentais para isso. Basta citar que, no mês que passou na Bahia de 22 de janeiro a 26 de fevereiro, antes de desembarcar definitivamente no Rio de Janeiro, já decretara a abertura dos
portos ao comércio internacional, aprovara a formação da primeira Escola de Medicina do Brasil e os estatutos da primeira companhia de seguros, concedera a licença para a construção de uma fábrica de vidro e outra de pólvora. Além disso, ordenara abrir estradas, encomendara um plano de fortificação e defesa da Bahia e a formação de dois esquadrões de cavalaria e um de artilharia. Não é razoável supor que todas essas medidas, que tiveram tantas conseqüências benéficas a longo prazo, tenham sido decididas na hora, ao sabor dos acontecimentos, sem que tivesse havido um planejamento anterior, um projeto político preexistente.

Já no Rio de Janeiro, dois dias depois de desembarcar a 8 de março, Dom João organizou o governo. O Ministério compunha-se de: Negócios Estrangeiros e da Guerra, com D. Rodrigo de Sousa Coutinho, futuro Conde de Linhares; Negócios do Reino, com D. Fernando José de Portugal, que seria feito Marquês de Aguiar; e Negócios da Marinha e do Ultramar, com D. João Rodrigues de Sá e Meneses, Visconde de Anadia.

No afã de criar as estruturas do País, Dom João ainda editou o regulamento da Administração Geral dos Correios, criou uma Escola Superior de Técnicas Agrícolas, um laboratório de estudos e análises químicas, a Academia dos Guardas-Marinha, a Academia Real Militar, que incluía Engenharia Civil e Mineração, a Impressa Régia. Estabeleceu, além disso, o Supremo Conselho Militar e de Justiça, o Arquivo Militar, o Tribunal da Mesa do Desembargo do Paço e da Consciência e Ordens, ou seja, o Judiciário independente no Brasil, a Intendência Geral de Polícia, o Erário Régio, o Conselho da Fazenda, o Corpo da Guarda Real. Mais tarde seriam criados o Banco do Brasil, a Biblioteca Nacional, o Museu Nacional, o Real Teatro de São João e o Jardim Botânico, este último com a finalidade de aclimatar no Brasil espécies vegetais oriundas da África e Ásia.

As regiões mais distantes foram exploradas e mapeadas, e Oliveira Lima relata que o Príncipe Regente mandou pôr marcos de pedra em todas as nossas fronteiras, das Guianas à Argentina. Esses marcos serviriam muito mais tarde, já na República, para calçar as negociações de limites com nossos vizinhos, levadas a cabo pelo Barão do Rio Branco. Cabe ainda lembrar que em 1815, já como Rei com o título de D. João VI, elevou o Brasil a Reino Unido com Portugal e Algarves. Com isso, politicamente ficava o Brasil emancipado de Portugal e equiparado à antiga mãe-pátria. Dom João realmente deu ao Brasil as instituições políticas, judiciárias, militares, culturais e econômicas fundamentais para um país independente e soberano.

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