José Carlos Sepúlveda da Fonseca
Estamos, uma vez mais, no epicentro de um escândalo envolvendo o governo e o Presidente Lula.
Mas, desta vez, não se trata apenas de um escândalo. O ocorrido constitui grave atentado ao Estado de Direito e foi praticado, ao que tudo indica, por um órgão diretamente subordinado à Presidência da República.
O tão decantado regime democrático vai sendo desmantelado em seus pilares fundamentais, e desmantelado pelo próprio governo que deveria ser seu defensor.
Grampeados pelos espiões do governo
Antes de mais nada, a descrição dos fatos. A revista Veja (3.set.2008) estampou nova grave denúncia sobre grampos ilegais, realizados por espiões do governo, contra o Presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) e outras autoridades Federais.
A reportagem começa por transcrever um telefonema entre o Senador Demóstenes Torres (DEM-GO) e o Ministro Gilmar Mendes, Presidente do STF, ilegalmente gravado.
Embora o teor da conversa nada tenha de comprometedor, as reações dos dois envolvidos, face à violação ilegal de sua privacidade por órgãos do Estado, não se fez esperar.
O Ministro Gilmar Mendes foi peremptório: "Gravar clandestinamente os telefones do presidente do STF é coisa de regime totalitário". Por seu lado, o Senador declarou: "Há um grupo de bandoleiros atuando dentro do governo. É um escândalo que coloca em risco a harmonia entre os poderes".
Negativas e inquéritos inócuos
A revelação de Veja se insere na já longa série de alertas e denúncias surgidos contra os abusos de poder praticados pela Polícia Federal e pela Agência Brasileira de Inteligência (ABIN): grampos ilegais, ações espetaculares com indisfarçável intenção intimidatória ou persecutória.
A todas eles o governo tem reagido da mesma forma: pomposas declarações de inconformidade,
"indignações" do Presidente Lula, negativas de práticas ilegais, abertura de inquéritos inócuos... e tudo permanece como dantes.
Perigoso desafio à democracia
Convido-os a ler trechos da reportagem de Veja, assinada por Policarpo Junior e Expedito Filho, intitulada A Abin gravou o ministro. Os mesmos são elucidativos e alarmantes:
"Há três semanas, VEJA publicou reportagem revelando que o presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Gilmar Mendes, foi espionado por agentes a serviço da Agência Brasileira de Inteligência. O diretor da Abin, Paulo Lacerda, foi ao Congresso e negou com veemência a possibilidade de seus comandados estarem envolvidos em atividades clandestinas. Sabe-se, agora, que os arapongas federais não só bisbilhotaram o gabinete do ministro como grampearam todos os seus telefones no STF. VEJA teve acesso a um conjunto de informações e documentos que não deixam dúvida sobre a ação criminosa da agência. O principal deles é um diálogo telefônico de pouco mais de dois minutos entre o ministro Gilmar Mendes e o senador Demóstenes Torres (DEM-GO), gravado no fim da tarde do dia 15 de julho passado. A conversa não tem nenhuma relevância temática, mas é a prova cabal de que espiões do governo, ao invadir a privacidade de um magistrado da mais alta corte de Justiça do país e, por conseqüência, a de um senador da República, não só estão afrontando a lei como promovem um perigoso desafio à democracia.
"O diálogo entre o senador e o ministro foi repassado à revista por um servidor da própria Abin sob a condição de se manter anônimo. O relato do araponga é estarrecedor. Segundo ele, a escuta clandestina feita contra o ministro Gilmar Mendes, longe de ser uma ação isolada, é quase uma rotina em Brasília. Os alvos, como são chamadas as vítimas de espionagem no jargão dos arapongas, quase sempre ocupam postos importantes. (...)
"As gravações ilegais feitas pela Abin servem de base para a elaboração de relatórios que têm o presidente da República como destinatário final. Isso não quer dizer que Lula necessariamente tenha conhecimento de que seus principais assessores estejam grampeados ou que avalize a operação. Os agentes produzem as informações a partir do que ouvem, mas sem identificar a origem. Por serem ilegais, depois de filtradas, as gravações são destruídas. A do ministro Gilmar Mendes foi preservada porque, ao contrário das demais, ela foi produzida durante uma parceria feita entre a Abin e a Polícia Federal na operação que resultou na prisão do banqueiro Daniel Dantas, no início de julho. (...)
"O diálogo em poder da Abin foi apresentado ao ministro Gilmar Mendes e ao senador Demóstenes Torres. Ambos confirmaram o teor da conversa, a data em que ela aconteceu e reagiram com indignação. "Não há mais como descer na escala da degradação institucional. Gravar clandestinamente os telefonemas do presidente do Supremo Tribunal Federal é coisa de regime totalitário. É deplorável. É ofensivo. É indigno", disse o ministro, anunciando que vai pedir providências diretamente ao presidente Lula. "Não acredito que a ação da Abin ou da Polícia Federal seja oficial, com o conhecimento do governo, mas cabe ao presidente da República punir os responsáveis por essa agressão", acrescentou Mendes. O senador Demóstenes Torres também protestou: "Essa gravação mostra que há um monstro, um grupo de bandoleiros atuando dentro do governo. É um escândalo que coloca em risco a harmonia entre os poderes". O parlamentar informou que vai cobrar uma posição institucional do presidente do Congresso, Garibaldi Alves, sobre o episódio, além de solicitar a convocação imediata da Comissão de Controle das Atividades de Inteligência do Congresso para analisar o caso. "O governo precisa mostrar que não tem nada a ver e nem é conivente com esse crime contra a democracia." (...)
"No fim de junho, José Dirceu avisou o presidente Lula que estava sendo vítima de operações ilegais e que suspeitava da ação conjunta da Polícia Federal e da Abin. Em público, o ministro não faz acusações diretas contra ninguém, mas, para o presidente, ele foi explícito: Dirceu acusa o atual diretor da Abin, Paulo Lacerda, e o ministro da Justiça, Tarso Genro, de estarem por trás de um complô para prejudicá-lo, recorrendo a supostas ações ilegais contra ele, inclusive a invasão do escritório. (...)
"O ministro da Justiça estaria usando o aparato policial contra Dirceu para tentar minar sua influência no partido. Paranóia? Talvez. O fato é que a ação clandestina dos arapongas, sejam eles da Abin ou ligados à Polícia Federal, está criando entre políticos, magistrados e autoridades em Brasília um clima que não se percebia desde os tempos do velho SNI, o serviço de inteligência criado no regime militar, que serviu, por mais de duas décadas, como instrumento de perseguição de adversários. Havia mais de um ano que o ministro Gilmar Mendes suspeitava que seus telefones estavam sendo grampeados. Parecia paranóia."
É necessário reagir, pois é inegável que estamos no perigoso caminho que nos leva ao Estado totalitário, perigo sobre o qual, aliás, tratei em meu último post (A caminho do Estado totalitário).
(Fonte: Blog Radar da Mídia)
(Fonte: Blog Radar da Mídia)
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